O contínuo desenvolvimento no últimos anos das redes de telecomunicações estabeleceu uma grande complexidade no momento de gerir os elementos que compõem estas redes, bem como os serviços que se oferecem sobre elas.
Os inventários de recursos de rede oferecem às operadoras de telecomunicações, conhecidas como telcos, a possibilidade de registar e gerir o conjunto completos de “ativos” (físicos e lógicos) num único sistema.
Isto inclui redes como MPLS/IP, WDM/OTN, Fibra/FTTx/GPON, Ethernet, SDH, SONET, SDN, NFV, Core móvel, Backhaul e RAN (2G, 3G, 4G, 5G), Microwave, xDSL, WIFI, Broadcasting, Cabo submarino, VSAT, ATM, Voz, DCN, etc.
Visão única da rede
Até há uns anos, o registo dos recursos de rede e os serviços oferecidos sobre a mesma realizava-se num conjunto de bases de dados diferentes e com diferentes “formatos” (Excel, Access, Ficheiros de texto, etc.). Em algumas ocasiões, não existia esse registo de informação para alguma tecnologia de rede.
Isto estabelece uma complexidade muito grande na manutenção e gestão do conjunto global da rede e dos serviços oferecidos aos clientes, principalmente, devido às diferentes tecnologias e fornecedores de rede existente.
Os sistemas de inventário proporcionam uma visão única da rede que permite, fundamentalmente, às operadoras de telecomunicações, uma grande agilidade operacional sobre a rede e os serviços oferecidos e, também facilita a planificação de novos investimento na rede.
Principais vantagens proporcionadas por um sistema de inventário
- Visão geral, completa e precisa de todos os componentes físicos e lógicos da rede da operadora de telecomunicações num único sistema, contemplando todas as tecnologias e vendors.
Este inventário físico e lógico, bem como o inventariado das relações existentes entre as redes físicas e as diferentes “camadas” lógicas, permite a visão “end2end” dos serviços dos clientes em rede e a “navegação” hierárquica entre as diferentes “camadas” que vão desde o serviço, até à rede física passando pelas diferentes “camadas” lógicas definidas.
Esta visão unificada da rede da operadora e a possível “navegação” entre todos os elementos existentes permite uma gestão e manutenção da rede de uma maneira mais rápida e eficiente.
O possível módulo de “Reporting” existente no sistema de inventário ou um sistema de reporting externo, incluindo simples consultas à base de dados do sistema, acrescenta “qualidade” a esta visão global ao ser possível extrair listas filtradas por tecnologias, vendors, etc.
- Gestão mais eficiente do cliente
As tarefas diárias realizam-se de uma maneira mais rápida e precisa, obtendo como resultado um “service delivery” mais rápido e com menos falhas nos serviços entregues. Naturalmente, isto redunda na melhoria dos SLAs, o que contribui para melhorar a satisfação do cliente, além de melhorar os custos operacionais.
As funcionalidades de “análise de impacto” (impact analysis) perante uma falha e/ou alteração na rede e do “ponto crítico de falha” (SPOF, Single Point Of Failure) para encontrar possíveis pontos críticos na rede, permitem a melhoria na qualidade do serviço proporcionado ao cliente.
- Gestão económica mais eficiente
Os inventários de recursos permitem realizar uma gestão optimizada da capacidade da rede. Esta gestão permite efetuar poupanças em CAPEX ao evitar, em muitas ocasiões, gastos desnecessários. Além disso, a gestão no inventário destes ativos proporciona a visão do seu valor com a depreciação que sofrem e o retorno do investimento.
A gestão das “peças de substituição” no inventário também implica uma poupança no investimento ao ter o controlo destas peças e não ser necessário fazer investimentos desnecessários.
O inventariado destas linhas alugadas (leased lines) permite uma correta gestão da capacidade das linhas, o que redunda numa poupança em OPEX.
Por isso, a gestão operacional mais eficiente da rede e dos serviços do clientes permite a poupança, tanto em CAPEX como em OPEX.
- Descoberta e reconciliação da rede
As interfaces existentes com os gestores de rede ou diretamente com as plataformas de rede permitem “descobrir” de maneira automática a rede da operadora. Isto permite “carregar” no inventário toda a informação de rede física e lógica existente de forma automática.
Além disso, estas interfaces com os NMS/EMS/NE permite realizar “reconciliações” da informação existente no inventário e na rede, detectando as diferenças existentes. Estas diferenças encontradas podem ser “corregidas” posteriormente, no inventário ou numa rede, para manter a informação totalmente sincronizada e atualizada.
- Integração com outros sistemas BSS/OSS
A integração do inventário com outros sistemas permite a correta gestão da informação de recursos de rede nos processos operacionais da operadora. As integrações mais comuns são as realizadas com o ERP, CRM, Provisão, ITSM e FM.
- Integração com GIS
A integração com um GIS é fundamental neste tipo de sistema, dado que permite a “visualização” georreferenciada dos ativos de rede e os serviços de uma operadora.
Descoberta e reconciliação com a rede
Como característica geral, quase todos os inventários têm uma funcionalidade que permite a “descoberta” inicial da infraestrutura de rede e a posterior “reconciliação” entre as informações existentes no inventário e os gestores de rede.
Para realizar a “descoberta” da informação de rede, o inventário tem de se “conectar” às plataformas de rede que contêm a informação e “extraí-la” das mesmas.
Os NMS, EMS e NE são as plataformas que contêm a informação da infraestutura de rede. Estas plataformas, na sua maioria, têm um componente denominado NBI (Northbound Interface) que permite “conectar-se” a eles e “extrair” a informação que contêm da infraestrutura de rede.
Os NBIs das diferentes plataformas “apresentam” diferentes protocolos para extrair a informação. Alguns exemplos destes protocolos são SNMP, TL1, Telnet/SSH, CORBA, SOAP, REST, ficheiros planos (CSV, TXT) ou até conexões diretas à Base de Dados.
No inventário existe um “conector” específico por cada plataforma/NBI que permite a conexão e a extração da informação.
A “extração” inicial da informação permite realizar um carregamento inicial da infraestrutura de rede no inventário. Após este carregamento inicial realiza-se, de maneira periódica, a “reconciliação” da informação.
A “reconciliação” é o proceso no qual se detectam as diferenças existentes entre a informação de rede existente nas plataformas de rede e a informação existente no inventário. Estas diferenças devem-se a ações que se realizaram na rede (por exemplo, adicionar/eliminar um equipamento/cartão) e que ainda não se realizaram no inventário, ou ações realizadas no inventário (por exemplo, a planificação da criação de um novo site com nova infraestrutura de rede) e que ainda não se realizaram na rede.
O processo de reconciliação mostra estas diferenças existentes e o usuário pode levar a cabo as ações necessárias para “alinhar” a informação existente na rede e no inventário.
Interfaces com outros sistemas OSS/BSS
O inventário de rede suporta interfaces para outros sistemas que permitem a troca de informação entre os sistemas e ajudam na gestão dos processos operacionais de uma operadora.
As interfaces mais usuais de um inventário com outros sistemas são:
- Interface com o ERP
O ERP (Enterprise Resource Planning) é o sistema que integra e automatiza os principais processos e dados de uma empresa. O ERP contém múltiplos módulos, sendo um deles o módulo que permite a gestão das tarefas associadas aos fornecedores.
O ERP e o inventário realizam a troca de informação relativa aos fornecedores. Entre esta informação pode-se citar, por exemplo, a informação dos próprios fornecedores, a compra/venda de “ativos”, devoluções, etc.
- Interface com o CRM
O CRM (Customer Relationship Management) é o sistema que ajuda o departamento de atenção ao cliente de uma operadora na gestão da relação com os clientes. Como o inventário contém a visão “end2end” dos serviços dos clientes, o CRM e o inventário realizam a troca de informação relativa aos mesmos. Entre esta informação pode-se citar, por exemplo, a informação dos próprios clientes, os serviços contratados por cada cliente, as principais “características” dos serviços, etc.
- Interface com o “Sistema de Provisão”
O sistema de provisão de uma operadora gere o conjunto de tarefas a realizar para a gestão (registo, cancelamento, modificações) dos serviços de um cliente.
Como o inventário contém os recursos sobre os quais se suportam os serviços de um cliente, o sistema de provisão e o inventário realizam a troca de informação relativa aos recursos de rede sobre os quais se constroem estes serviços.
Entre esta informação pode-se citar, por exemplo, a reserva de recursos de rede no inventário para um futuro registo de um serviço/cliente. Estes recursos reservados convertem-se no posterior registo do serviço nos recursos associados a um serviço/cliente. Além disso, deve-se fazer a gestão dos recursos necessários numa modificação de um serviço e a libertação dos recursos no cancelamento de um serviço por parte do cliente. Toda a informação associada a estas ações é trocada entre o sistema de provisão e o inventário.
- Interface com o ITSM
O ITSM (Information Technology Service Management) permite a planificação e a prestação de Serviços de TI através de processos, pessoas, tecnologia.
O inventário, via interface, proporciona ao ITSM a informação dos “ativos” de rede inventariados para poder “enriquecer” a informação apresentada nos processos geridos. Na gestão de um “Change Management”, por exemplo, o ITSM alimenta-se da informação de inventário e apresenta a informação segundo a nomenclatura usada na infraestrutura de rede.
- Interface com o FM
O FM (Fault Management) é o sistema que ajuda a identificar, evitar e resolver os possíveis problemas que pode ter a infraestrutura de uma operadora.
O inventário, via interface, proporciona ao FM a informação dos “ativos” de rede inventariados para poder “enriquecer” a informação apresentada no FM. Para os alertas apresentados por um equipamento, o FM alimenta-se de informação do inventário e apresenta a informação segundo as nomenclaturas usadas na infraestrutura de rede.
- Interface com o GIS
O GIS (Geographical Information System) permite o armazenamento e gestão (visualização, análise, edição) de uma grande quantidade de dados que estão vinculados a uma referência espacial.
Com a troca de informação, via interface, entre o inventário de recursos de rede e um sistema GIS, a infraestrutura de uma operadora pode ser “visualizada” por completo de maneira georreferenciada. Esta visualização é uma ajuda muito importante para dar uma visão “end2end” dos serviços dos clientes e realizar a gestão da capacidade da rede.
Melhores práticas e problemas comuns na integração de um sistema de inventário
Na integração de um sistema de inventário numa operadora, as tarefas prévias mais importantes a realizar são:
- Análise da informação existente e que tem de ser migrada ao sistema de inventário: é necessário analisar e entender bem o conteúdo de toda a informação que tem de ser migrada para o novo sistema de inventário que se está a implementar.
- Análise da informação proporcionada pelos NMS/EMS/NE: é necessário analisar e entender bem o conteúdo de toda a informação que proporcionam os Network Management Systems (NMS), Element Management Systems (EMS) e/ou Element Managers (EM) e que será “carregada” no novo sistema de inventário que se está a implementar.
- Análise da informação que a operadora quer gerir no inventário: após a análise dos dados proporcionados pelas diferentes bases de dados existentes e as plataformas de rede, é necessário identificar a informação que a operador quer gerir no inventário. Desta maneira, é possível identificar a informação que é necessário incluir e extrair de alguma fonte adicional, e que não são dados “nativos” do inventário.
Os problemas mais comuns na integração de um sistema de inventário numa operadora são:
- NBIs não existentes nos NMS/EMS/NE
Para realizar a descoberta da infraestrutura de rede e a posterior reconciliação da informação, é necessário que os NMS/EMS/NE disponham de um NBI (Northbound Interface) que permita a extração desta informação.
Em algumas ocasiões, cada vez menos, este NBI não existe, seja porque o fabricante não o facilita, porque o NBI não está atualizado ou por não se dispor da licença do NBI, fazendo com que não seja possível realizar este processo automático de descoberta e reconciliação.
- Informação da infraestrutura de rede não existente ou inválida
Um dos grandes problemas, de maneira generalizada, é a falta de informação ou dispor de informação inválida. Embora, inicialmente, pareça que se tem toda a informação a migrar de maneira correta, em análises posteriores detecta-se que a informação não é válida na sua totalidade e que, incluso, há informação inexistente. É necessário detectar este problema inicialmente para todas as ações pertinentes e poder chegar a um inventário correto do total da infraestrutura de rede.
- Diferenças de nomenclatura dos serviços nas plataformas de rede e nos sistemas
É habitual existir diferenças entre as nomenclaturas que apresentam os serviços nos sistemas e na rede. É necessária a deteção atempada destas diferenças para realizar a correta descoberta/reconciliação, de maneira a que a informação trocada entre o inventários e os diferentes sistemas OSS/BSS seja a correta e se possa fazer uma “gestão” correta dos clientes.
- Processo de “Stitching”
A rede de uma operadora está construída sobre uma grande variedade de tecnologias e fornecedores. É por isso que os serviços dos clientes podem estar suportados por várias tecnologias/fornecedores. Por exemplo, um serviço que esteja suportado por duas redes WDM de diferentes fornecedores, ou um serviço suportado por uma rede SDH e uma rede MPLS.
Cada NMS/EMS/NE proporciona informação sobre a infraestrutura que “suporta” essa tecnologia/fornecedor. Não existe una plataforma de rede que facilite a informação da infraestrutura global da operadora.
Para tal, é necessário que o inventário realize o processo de “Stitching”. Este processo do inventário permite “unir” ao serviços a informação existente nas diferentes tecnologias/fornecedores. Desta maneira, ao “unir” a informação, pode-se ter a visão “end2end” destes serviços suportados por diferentes tecnologias/fornecedores.
Para realizar de maneira correta este processo de “Stitching”, é necessário ter a informação necessária para “unir” de maneira correta as “partes” que contém cada serviço. O problema existente, em muitas ocasiões, é que esta informação não é correta ou não está completa.
Considerações no momento de seleccionar um inventário de rede
Na tabela abaixo lista-se o conjunto de características que é necessário “estudar” quando se quer analisar as vantagens e desvantagens, bem como o valor acrescentado de um sistema de inventário.
Característica | Descrição |
Arquitetura Hardware | Existem sistemas de inventário suportados por uma arquitetura hardware clássica, outros que se implementam sobre máquinas virtuais, e os mais modernos suportam implementações cloud-native, kubernetes, etc. |
Arquitetura TM Forum | No geral, os sistemas de inventário não estão adaptados à arquitetura TM Forum. No entanto, alguns sistemas estão a evoluir para a nova arquitetura ODA (Open Digital Architecture) que está a ser definida pelo TM Forum. |
Base de Dados | Cada vez mais, devido ao custo, tende-se a estudar a base de dados que suporta o sistema de inventário (Oracle, MySQL, SQL Server, MongoDB, MariaDB, etc). |
Interface de Usuário | Na sua maioria, a interface de usuário dos inventários atuais é web, embora ainda exista algum com uma interface “pesada”. Além isso, é importante analisar o “look&feel” e a “usabilidade” dessa interface. |
Tecnologias e fornecedores suportados | O sistema de inventário deve ser tipo multitecnologia e multivendor, suportando todo o tipo de tecnologias de rede e fornecedores. Além disso, é necessário verificar como se faz a integração de uma nova tecnologia/fornecedor, dado que para tal, é possível que só o fornecedor do sistema possa efetuá-lo ou que exista a possibilidade de que os integradores do sistema o possam fazer. |
Introdução de informação não estandardizada | Para cada tipo de recurso a inventariar, os sistemas de inventário apresentam uma informação “out-of-the-box” que se pode incluir. Geralmente, requere-se adicionar informação extra. Para tal, é necessário que o sistema permita definir essa informação extra a adicionar por tipo de recurso. |
Carregamentos massivos de informação | Existe a possibilidade de introduzir dados de maneira rápida e simples usando carregamentos massivos. |
Privilégios/perfis de usuários | É necessário avaliar a granularidade disponível do sistema, no momento de definir os privilégios/perfis para os usuários do sistema. |
APIs com outros sistemas | É necessário avaliar as APIs que possui o sistema para se comunicar com outros sistemas e a possibilidade de adicionar novas APIs se se requerer. |
Descoberta | Devido à grande importância que tem a informação proporcionada pelos gestores de rede, é necessário que o sistema apresente conectores para a extração desta informação. Além disso, há que analisar se estes conectores são “out-of-the-box” e se é possível o desenvolvimento de novos conectores, seja pelo fornecedor do sistema de inventário, pelo integrador do sistema, ou por ambas as partes. |
Reconciliação | Há que analisar o proceso de reconciliação para ver a qualidade do mesmo. Ver se é um proceso que pode ser configurado pelo integrador e como proporciona a informação de discrepâncias, bem como o mecanismo para “alinhar” a informação do inventário e da rede. |
Qualidade do relatório | Existem inventários que têm um módulo de relatório incluído. Também podem permitir a conectividade à base de dados desde outros sistemas de relatório ou até a realização de consultas diretamente a essa base de dados. |
Funcionalidades não estandardizadas | Cada vez mais, os sistemas de inventário incluem funcionalidades adicionais que dão mais versatilidade ao sistema, diminuindo custos e integrações com outros sistemas. Entre estas funcionalidades destacam a de poder modelar processos (“workflows”, “BPM”), o “Fault Management”, o “Performance Management” ou sistemas que têm embebidos um GIS. |